sexta-feira, 14 de maio de 2021

 A EXPERIÊNCIA DE HAWTHORNE

          

Primordialmente, a intenção de Elton Mayo[1] era a de achar alguma relação entre a produtividade e as condições físicas dos funcionários. Em princípio foram divididos dois grupos distintos de pessoas, separados por uma divisória, criando dois ambientes idênticos, com a iluminação controlada por um observador. Na medida em que se diminuía a iluminação das luzes de um dos dois lados o grupo diminuía a sua intensidade de trabalho, e quando aumentava a claridade, também se aumentava o ritmo de trabalho. Mayo percebeu que isso acontecia por fatores psicológicos e não por condições físicas, o grupo acreditava estar sendo mais intensamente observado quando se aumentava a luz e menos observado quando se diminuía. Esse fato caracterizou a primeira fase da experiência de Hawthorne.

 

Em 1927, o Conselho Nacional de Pesquisas iniciou uma experiência na fábrica de Hawthorne da Western Electric Company, situada em Chicago, para avaliar a correlação entre iluminação e eficiência dos operários, medida por meio da produção. A experiência foi coordenada por Elton Mayo, e estendeu-se à fadiga, aos acidentes no trabalho, à rotatividade do pessoal (turnover) e ao efeito das condições de trabalho sobre a produtividade do pessoal. (CHIAVENATO, 2003, p. 103).

 

Na segunda fase da experiência foram colocados dois grupos de moças num ambiente, separado dos demais operários da fábrica, esse grupo tinha uma supervisão com menos pressão sobre os funcionários, e os supervisores funcionavam como orientadores, as pessoas podiam conversar, rir e tinham alguns minutos de intervalos por dia.


Cinco moças montavam os relês, enquanto uma sexta operária fornecia as peças para abastecer o trabalho. A sala de provas era separada do departamento (onde estava o grupo de controle) por uma divisão de madeira. O equipamento de trabalho era idêntico ao utilizado no departamento, apenas incluindo um plano inclinado com um contador de peças que marcava a produção em fita perfurada. A produção foi o índice de comparação entre o grupo experimental (sujeito a mudanças nas condições de trabalho) e o grupo de controle (trabalho em condições constantes). O grupo experimental tinha um supervisor, como no grupo de controle, além de um observador que permanecia na sala e observava o trabalho e assegurava o espírito de cooperação das moças. Elas foram convidadas para participar na pesquisa e esclarecidas quanto aos seus objetivos: determinar o efeito de certas mudanças nas condições de trabalho (períodos de descanso, lanches, redução no horário de trabalho etc.). Eram informadas a respeito dos resultados e as modificações eram antes submetidas a sua aprovação. Insistia-se para que trabalhassem dentro do normal e que ficassem à vontade no trabalho. (CHIAVENATO, 2003, p. 103).

 

O comportamento desse grupo experimental coloca em xeque a teoria cientifica e clássica da administração, pois, querendo mostrar a sua satisfação o grupo passou a produzir mais. Com isso, Mayo percebeu que as condições físicas das pessoas não eram o fator principal para o aumento na produção, mas as pessoas em geral são motivadas por expectativas grupais, psicológicas e sociais e é nesse contesto que acredito, o das expectativas por reconhecimento e respeito no trabalho, que se possa atuar, contudo, não sendo desonesto para se obter um resultado especifico, mas, sendo justo e honesto respeitando o funcionário tratando-o com respeito e cordialidade.


A experiência da sala de montagem de relés trouxe as seguintes conclusões: as moças gostavam de trabalhar na sala de provas porque era divertido e a supervisão branda (ao contrário da supervisão de controle rígido na sala de montagem) permitia trabalhar com liberdade e menor ansiedade; havia um ambiente amistoso e sem pressões, no qual a conversa era permitida, o que aumentava a satisfação no trabalho; não havia temor ao supervisor, pois esse funcionava como orientador; houve um desenvolvimento social do grupo experimental. As moças faziam amizades entre si e tornaram-se uma equipe; o grupo desenvolveu objetivos comuns, como o de aumentar o ritmo de produção, embora fosse solicitado a trabalhar normalmente. (CHIAVENATO, 2003, p. 104).

 

A produtividade aumentou nessa fase sem que fosse preciso criar um plano salarial como fator motivacional para atender algum tipo de demanda. Percebesse que os trabalhadores também têm as suas demandas por boas condições de trabalho e a condição de poder opinar e poder influenciar na melhoria do modo de trabalho gera, de certa forma, uma situação de reconhecimento da sua capacidade intelectual e social de modificação que, acredito, também está relacionado ao prestigio no trabalho.

Na terceira fase da experiência de Hawthorne, preocupados com o comportamento e atitudes diferentes entre as moças do grupo experimental e as do grupo de controle, os pesquisadores abriram mão do escopo inicial de averiguar as condições físicas de trabalho e passaram a dar mais atenção no estudo das relações humanas no trabalho.


Verificaram que, no grupo de controle, as moças consideravam humilhante a supervisão vigilante e constrangedora. Apesar de sua política pessoal aberta, a empresa pouco ou nada sabia acerca dos fatores determinantes das atitudes das operárias em relação à supervisão, aos equipamentos de trabalho e à própria organização. (CHIAVENATO, 2003, p. 104).

 

            Em 1928 é dado o início a um programa de entrevistas, Interviewing Program, para conhecer as atitudes e sentimentos dos operários e entender a sua opinião em relação ao tratamento que recebiam no seu trabalho, como também escutar sugestões a respeito do treinamento dos supervisores. “Adotou-se a técnica da entrevista não-diretiva, que permitia que os operários falassem livremente, sem que o entrevistador desviasse o assunto ou tentasse impor um roteiro prévio. ”, (CHIAVENATO, 2003, p. 105).

            Contudo, passa a acontecer na empresa um certo tipo de organização informal[2], por parte dos funcionários, que faz com que os operários se mantenham unidos por laços de lealdade, ou seja, uma lealdade comum dividida entre eles que molda e determina o comportamento de todos. Os trabalhadores passam a regular, de certa forma, a produção diária, diminuindo ou acelerando a produção. Alguns trabalhadores se sentem divididos entre a empresa e a lealdade ao grupo, e isso gera conflito, tensão, inquietação e descontentamento entre eles.

Para estudar esse fenômeno, os pesquisadores desenvolveram uma quarta fase da experiência de Hawthorne. Foi escolhido um grupo experimental para trabalhar em uma sala especial com condições de trabalho idênticas às do departamento. Um observador ficava dentro da sala e um entrevistador do lado de fora entrevistava o grupo.

 

Assim que se familiarizou com o grupo experimental, o observador pôde constatar que os operários dentro da sala usavam várias artimanhas -logo que os operários montavam o que julgavam ser a sua produção normal, reduziam seu ritmo de trabalho. Os operários passaram a apresentar certa uniformidade de sentimentos e solidariedade grupal. O grupo desenvolveu métodos para assegurar suas atitudes, considerando delator o membro que prejudicasse algum companheiro e pressionando os mais rápidos para "estabilizarem" sua produção por meio de punições simbólicas. Essa quarta fase permitiu o estudo das relações entre a organização informal dos empregados e a organização formal da fábrica. (CHIAVENATO, 2003, p. 105).

 

O interessante é que essa questão de o grupo desenvolver uma relação de controle uns sobre os outros, para aumentar ou diminuir o ritmo de trabalho, é como se fosse um fato social, os indivíduos para não sofrerem sanções agem de acordo com a maioria para não serem excluídos do grupo. Mesmo que um funcionário queira trabalhar mais depressa, quem vai determinar o ritmo é o grupo.


Os operários preferiram produzir menos - e ganhar menos - a pôr em risco suas relações amistosas com os colegas. Cada grupo social desenvolve crenças e expectativas em relação à Administração. Essas crenças e expectativas - sejam reais ou imaginárias - influem nas atitudes e nas normas e padrões de comportamento que o grupo define como aceitáveis. As pessoas são avaliadas pelo grupo em relação a essas normas e padrões de comportamento: são bons colegas se seu comportamento se ajusta a suas normas e padrões de comportamento ou são péssimos colegas se o comportamento se afasta delas. (CHIAVENATO, 2003, p. 105).

 

Isso comprova que o aumento ou diminuição da produção não está totalmente relacionado ao fator econômico, mas, o indivíduo se apoia no comportamento do grupo.

A Experiência de Hawthorne foi suspensa em 1932 por motivos financeiros. Sua influência sobre a teoria administrativa foi fundamental, abalando os princípios básicos da Teoria Clássica então dominante.

 Embora pareça uma coisa obvia a importância de o fato das relações humanas no trabalho ser uma coisa fundamental para influenciar na produção, poucos gestores se abstêm a tomar esse tipo de atitude e acham normal utilizar o método antigo de gestão por cobrança e pressão, pois, não se utilizando de tais métodos, subjetivamente, se mantém certo tipo de status quo, e estratificação no trabalho. O trabalhador, acredito, tem que se sentir desafiado a encontrar novas alternativas de melhoria e se sentir participativo no processo do trabalho diariamente. A questão da produção no trabalho não é proporcional a quantidade de pessoas.

 



[1]                                                                                                 Mayo conduzira uma pesquisa em uma indústria têxtil com elevadíssima rotatividade de pessoal, algo em torno de 250% ao ano e que havia tentado inutilmente vários esquemas de incentivos salariais. (CHIAVENATO, 2003, p. 102).

[2]                                                                                     O Programa de Entrevista revelou a existência da organização informal dos operários afim de se protegerem contra o que percebiam como ameaças da Administração. Essa organização informal manifesta-se por meio de: a. padrões de produção que os operários julgam ser a produção normal que deveriam ter e que não eram ultrapassados por nenhum deles; b. práticas não-formalizadas de punição social que o grupo aplica aos operários que excedem os padrões e são considerados sabotadores; c. expressões que fazem transparecer a insatisfação quanto aos resultados do sistema de pagamentos de incentivos por produção; d. liderança informal de alguns operários que mantem o grupo unido e asseguram o respeito pelas regras de conduta; e. contentamentos e descontentamentos em relação às atitudes dos superiores a respeito do comportamento dos operários. (CHIAVENATO, 2003, p. 105).

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

ESBOÇO ANTROPOLÓGICO PARA A EDUCAÇÃO DA RELIGIÃO


ESBOÇO ANTROPOLÓGICO PARA A EDUCAÇÃO DA RELIGIÃO




ALEXSANDRO ALVES DE ARAÚJO [1]

RESUMO


A preocupação básica deste estudo é conjecturar sobre a importância do tema religião, sendo que numa perspectiva antropológica. No contexto atual, de intolerância religiosa e de sua influência no contexto sociopolítico, o professor se torna uma peça chave e imprescindível para que que as tensões advindas do crescimento da intolerância religiosa não acabe afetando a curiosidade dos jovens sobre uma perspectiva mais abrangente sobre as religiões.[f1]  Este artigo tem como objetivo apresentar importância de uma abordagem mais ampla da religião como conceito inerente a humanidade e  a sua trajetória até a religiosidade e uma possível influência do saber religioso na ciência. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como, (ELIADE, 2008);  (KEESING, 2014);  (SAGAN, 2006) entre outros[f2] , procurando enfatizar a importância do aprendizado da religião desde a forma mais primitiva, passando pela idade média, até a idade contemporânea delimitando na perspectiva dos autores citados. Concluiu-se a importância de o professor levar o caráter da sua licenciatura como um profissional da educação e estar preparado como pesquisador para procurar apresentar conceitos interdisciplinares que possam trazer a luz do conhecimento do aluno a quebra de conceitos e paradigmas religiosos e a reconstrução de novos conceitos sobre a religião[f3] .

Palavras-chave: Educação. Antropologia. Religião.

Introdução

O presente trabalho pretende situar a importância da Antropologia e de desconstruir o senso comum, criando um senso crítico diante dos fatos do cotidiano analisando na história aspectos políticos, culturais, econômicos e religiosos e criar uma janela entre o presente e o passado para que haja um entendimento, do que é, e de como funciona a sociedade e a cultura relacionados a religiosidade e a fé e como tudo isso influencia na vida das pessoas. Um dos obstáculos a serem enfrentados será o de utilizar os métodos teóricos e conceitos, didáticos e pedagógicos adequados que não sejam só o de memorização e repetição.
Historicamente sabemos que o modelo jesuítico, presente desde o início da colonização portuguesa no Brasil, já apresentava em seu manual, Ratio Studiorum - datado de 1599[2], os três passos básicos de uma aula: preleção do conteúdo pelo professor, levantamento de dúvidas dos alunos e exercícios para fixação, cabendo ao aluno a memorização para a prova.  (ANASTASIOU & ALVES, 2015. Pg, 01).
Durante muito tempo o estilo de ensino dos jesuítas foi o mais utilizado nas escolas, com o seu método de exposição, memorização² e avaliação do conteúdo, dado, o que parecia atender as necessidades do ensino, contudo, ensinar não é uma coisa só de memorização existe uma infinidade de recursos que o professor pode utilizar para reforçar o entendimento e tornar a aula mais didática.
O desafio aqui se coloca sobre a questão de entrar em um território do imaginário comum e tratar do tema religião sem que seja com a perspectiva de religiosidade e resgatar um senso crítico com base nas questões da religião de uma forma geral, de modo que o aluno não só consiga decorar para realizar um prova qualquer, e sim, traga para a sua vida pessoal. Se faz necessário fazer um levantamento sob a perspectiva da antropologia, da história e da ciência para que o aluno possa entender a evolução dos conceitos e aplica-los  quando for necessário no dia a dia.
Nesta perspectiva, constituiu-se o que deu origem a produção do presente trabalho: O fato de que, atualmente, a intolerância, o fundamentalismo e proselitismo religioso não só tem sido fortemente influenciador do contexto sociopolítico, como também tem sido um dos quesitos “determinantes” de embates por causa do conservadorismo religioso. O desafio é trazer de volta o ensino da religião para a sala de aula sem o viés religioso.
Baseados em tais pressupostos, como poderemos apresentar a religião sob uma perspectiva que possa criar um senso crítico que atenue a intolerância e os embates de viés religioso?
Vários autores conceituam a religião como uma coisa que influencia diretamente nas ações dos indivíduos, todavia, neste contexto, o objetivo primordial deste estudo apresentar para os alunos uma perspectiva diferente do conceito como foi aprendido o tema religião, como forma de desconstruir e construir o conhecimento necessário para que possa se diminuir os conflitos de caráter religioso na sociedade e garantir a liberdade religiosa. Parece ser contraditório ensinar religião sem um viés religioso para se garantir a liberdade religiosa, mas quando as pessoas se desprendem dos conceitos de sua religiosidade tendem a respeitar mais religião dos outros. Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.
O trabalho foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como:  ELIADE, M. (2008); SAGAN, C. (2006); ROHDEN, C. S. (1998); DARWIN, C. (2008); KEESING, R. M. (2014); MOREIRA, A. (2008).

Desenvolvimento

Podemos pressupor que as convicções religiosas, muitas vezes, levam as pessoas a cometerem injustiças, levando em consideração que os dogmas de suas convicções, crenças, mitos e ritos ou até mesmo de sua incredulidade e agnosticismo são considerados fundamentados, exclusivos, verdadeiros e inquestionáveis.
Há um risco considerável de ofendermos as pessoas, mesmo sem termos a intenção, simplesmente por não concordamos com a perspectiva do outro em relação a sua fé ou a falta dela, consequentemente isso caracteriza um insulto. Todavia, as religiões não são pautadas em algo concreto. Em muitos casos, não aceitar a religião ou agnosticismo do outro pode-se evoluir até uma agressão física de fato. Uma das dificuldades de se estudar a religião é que mesmo que tivéssemos uma vida inteira para analisarmos não seria tempo suficiente. Podemos começar pelo básico, as hierofanias.
As crenças nas hierofanias (manifestação do sagrado), estão relacionadas ao animismo, “uma forma que o homem tem de relacionar funções especificamente humanas as coisas inanimadas”, delas, acredita-se que sai uma energia/força/poder que se chama de “mana”. Isso em determinados momentos fez com que muitos grupos de indivíduos manifestassem a suas crenças em deuses relacionados aos seus modos de vida aos fenômenos da natureza como o trovão, o vento, arvores, cosmos ou a plantação, pesca etc.
Por exemplo, as hierofanias vegetais (isto é, o sagrado revelado através da vegetação) encontra-se tanto nos símbolos (a arvore cósmica) ou nos mitos metafísicos (a arvore da vida) como nos ritos ”populares” (o “cortejo da arvore de maio”, a queima das achas, fogueiras de São João, os ritos agrários), nas crenças ligadas à ideia de uma origem vegetal da humanidade, nas relações místicas existentes entre certas arvores e certos indivíduos ou sociedades humanas, nas superstições relativas a fecundação pelos frutos ou pelas flores, pós de Maio, nos contos em que o herói, covardemente assassinado, se transforma numa planta, nos mitos e nos ritos das divindades da vegetação e da agricultura, etc.  (ELIADE, 2008; Pg. 31)
Esse pensamento em algo divino leva a espécie humana de uma conduta instintiva a uma conduta moral. A permanência nos grupos passou a exigir uma conduta moral baseada nos costumes, mitos e crenças das sociedades as quais pertenciam o indivíduo. Segundo Norbeck, “as cerimônias, os rituais e as religiões são baseados no sistema social, os quais estão integrados os agentes sociais”.
Em um estudo clássico, o sociólogo francês Robert Hertz interpretou os rituais de mortuário relatados de Bornéu como um rito de passagem simbólico. Em um primeiro funeral, a pessoa morta foi enterrada e parentes sobreviventes iam para um isolamento ritual, longe de qualquer contato social. A seguir o crânio purificado era exumado e outro enterro era realizado que enviava o espirito para a vida depois da morte e libertava os enlutados para que voltasse a vida social normal. Hertz interpreta isso como um tratamento de morte, como um rito de passagem para um novo status. O mundo depois da morte é inventado para evitar tratar a morte como um final: o segundo enterro reincorpora os vivos em seu mundo e envia o espirito para o novo mundo.  (KEESING, 2014; Pg. 356) apud (cf. BLOCH, 1972; HUNTINGTON & METCALF, 1979; METCALF, 1977).
A crença em um mundo espiritual atenua o medo da morte, acreditava-se existir uma possibilidade de após a morte o indivíduo se comunicar com as pessoas que ficaram e os espíritos poderiam influenciar na caça, na guerra etc.
A partir desse ponto de vista a religião é entendida como um fenômeno social. Essa visão é reforçada na busca de Durkheim pela religião mais primitiva, o totemismo, na qual encontra o mana totêmico simbolizando o sagrado e o clã ao mesmo tempo. Recordemos que, para Durkheim, o totem simbolizava uma força religiosa coletiva e impessoal denominada mana, que já havia sido descrita por Condrington em suas pesquisas sobre os Melanésios. (RIES, 1985, p. 17-18) apud  (ROHDEN, 1998. Pg. 29).
Todavia, a fé nos sacerdote se torna uma coisa indispensável, pois o mesmo é um intermediário entre os dois mundos (espiritual e o físico), e isto de certa forma diminui a preocupação com a morte. O feiticeiro/sacerdote, o Xamã, o padre, o pastor, o “pai de santo” é um intermediário entre os dois mundos, é o indivíduo que está adequadamente preparado para manusear, os objetos ou palavras, com as quais o mana está relacionado, sem profanar o sagrado. É o intermediário entre as pessoas comuns e o mundo sobrenatural. 
Segundo Durkheim, o totem não é mais que uma representação material dessa força impessoal e difusa. Essa força, o mana, é considerada, por Durkheim, o sagrado por excelência. Para ele essa força nada mais era do que uma força coletiva com sua origem na sociedade, que é transferida para a realidade como um elemento essencial na organização social. A esse respeito J. Ries explica que a sociedade desperta a sensação do divino, justamente por ser considerada como um deus, para os seus membros. Através de uma operação de transferência de força, que ocorre durante as festas, o sagrado é criado. Portanto, o sagrado é uma criação da sociedade, transferido em seguida para o totem. (RIES, 1985, p. 17-18) apud  (ROHDEN, 1998. Pg. 29).
Possivelmente as pessoas, dependendo de sua religião, tendem a ver certas situações com um olhar maniqueísta, sempre relacionando os casos do cotidiano a algumas manifestações do sagrado. Para o Xamã, o feiticeiro, o pajé e para algumas religiões de matriz africana um mesmo espirito ou divindade pode fazer tanto o bem quanto o mal, diferente das religiões cristãs que acreditam em duas divindades, uma que faz o mal e outra q faz o bem.
“Demônios, herança da Idade Média”. De acordo com a Bíblia Sagrada, Deus permitiu aos homens um livre-arbítrio, direito de escolha entre o bem e o mal. De certa forma, isto responde a quem perguntar sobre o motivo de tanta maldade na terra, pois, se existe maldade, é por total responsabilidade da queda dos anjos decaídos. Todavia, existem demônios que estão todos os dias a atormentar a humanidade e, a Eles são atribuídas toda a origem do mal; a idéia de demônios foi alterada pela de “Diabo” por santo Agostinho na idade média, dando a idéia de seres totalmente malignos, antes os demoníacos eram reconhecidos como uma coisa superior ao homem, sinônimo de sabedoria:
No livro VIII de A cidade de Deus (iniciado em 413), Agostinho assimila essa antiga tradição, substitui os deuses por Deus, e converte os demônios em Diabo – afirmando que eles são, sem exceção, malignos. Não tem virtude redentoras. São a fonte de todo o mal espiritual.  (SAGAN, 2006. Pg. 140).
De acordo com Platão, os demônios são detentores de uma inteligência sobre-humana e possuem um papel elevado entre os homens e nem todos eram maus.
A crença nos demônios era difundida no mundo antigo. Eram considerados seres naturais, e não sobrenaturais. Hesíodo os menciona de passagem. Sócrates descrevia sua inspiração filosófica como a obra de um demônio pessoal e benigno. Sua professora, Diotima da Mantineia, diz-lhe (no banquete de Platão) que “tudo o que é demoníaco (gênio) é intermediário entre Deus e os mortais. Deus não tem contato com os homens — continua — só por meio do demoníaco é que existe relações e diálogos entre os homens e os deuses, quer em estado desperto, quer durante o sono. Platão, o discípulo mais famoso de Sócrates, atribuía um papel elevado aos demônios: “Nenhuma natureza humana investida com o poder supremo é capaz de ordenar os assuntos humanos — disse — e não transbordar de insolência e iniquidade...”  (SAGAN, 2006; Pg. 138).
Percebemos nesses trechos o fascínio dos homens pelas coisas do imaginário comum, as coisas espirituais, as quais estão fortemente ligadas à humanidade desde o começo dos tempos através da religião, atribuiu signos e significados as coisas que ela não conseguia explicar. “E o que os demônios também eram capazes de fazer?”.
No Malleus, Kramer e Sprenger revelam que “os diabos [...] procuram interferir no processo da copula e concepção normal, obtendo semém humano e transferindo-o eles próprios”. A inseminação artificial demoníaca na Idade Média remonta pelo menos a São Tomás de Aquino, que nos diz em Sobre a Trindade que “os demônios podem transferir o semém que coletaram e injeta-los nos corpos de outros”.  (SAGAN, 2006, Pg. 149)
Existia uma crença de que os demônios desciam do céu e se relacionavam sexualmente com os humanos e que do fruto desse relacionamento nasciam às bruxas, e esse fato foi o motivo de muitas mortes causadas pela inquisição na idade média. As terras e os bens da suposta bruxa eram confiscado pelo estado/igreja; ela, “a bruxa” não tinha o direito de justificar sua inocência e consequentemente era queimada na fogueira. Quem ousar-se interferir seria queimado junto com ela. O interessante nessa história é que mal se ver ou pouco se fala em possíveis bruxos ou caça aos bruxos. Refletindo uma dominação machista a qual sempre dava proteção aos homens.
Em 1645, uma adolescente da Cornualha, Anne Jefferies, foi encontrada grogue, encolhida no chão. Muito mais tarde, ela lembrou ter sido atacada por meia dúzia de homenzinhos, conduzida paralisada a um castelo nos ar, seduzida, e trazida de volta para casa. Ela chamava os homenzinhos de duendes. (Para muitos cristãos piedosos, como para os inquisidores de Joana d’Arc, essa distinção era irrelevante. Os duendes eram demônios, pura e simplesmente.) Eles voltaram para aterrorizá-la e atormenta-la. No ano seguinte ela foi presa por bruxaria.  (SAGAN, 2006; Pg. 150)
A crença em duendes, anjos, espíritos, bruxas, demônios fazem parte do imaginário comum, no entanto, ao longo dos tempos, podemos ver que a ciência vai evoluindo e cada vez mais refutando algumas teorias.
A ciência não usa mais a definição da bíblica para explicar os fenômenos. Deus, Demônios, “a criação” e divindades teriam sido refutadas pela ciência; segundo a ciência, a existência de tais fatos está no imaginário comum das pessoas, como dito antes, o que diminui o medo da morte e dá esperança aos homens de suportar as dificuldades.
Incerta e imaginária, ela reveste-se de um cunho religioso sob a forma de crenças que procuram atenuar o temor do fim da vida. Diminuindo a ansiedade e as suas dúvidas, a reflexão e o pensamento da Morte poderão ser o caminho que integre o homem no Universo de que ele faz parte e o conduza à descoberta de uma verdade procurada.  (GUERREIRO, 2008; Pg. 171).
No entanto, a ciência não é uma verdade inquestionável, pois, um dos pontos que podem ser observados é que a ciência é feita de acerto e erro. Entretanto, certos mitos vão se adaptando, e as idéias de coisas espirituais vão dando a lugar aos UFOS, ou alienígenas; seres extraterrestres. Podemos imaginar que as pessoas da antiguidade não tinham referência tecnológica do que seria um disco voador nem espaçonave ou coisas do tipo, e talvez não pudessem descrever como hoje como nós imaginamos ser os alienígenas.
Segundo (ELIADE, 2008), [...] É sempre numa certa situação histórica que o sagrado se manifesta, até as experiências místicas mais pessoais transcendentes sofrem a influência do momento histórico.
A manifestação do sagrado, desde a mais elementar até a mais complexa, como a encarnação de Deus em Jesus Cristo, ocorre sempre num contexto histórico, social e cultural determinado. Segundo Eliade, a mais universal experiência mística, ao se manifestar, se singulariza. Quando Deus se encarnou em Cristo, teve que falar o aramaico, agir como um hebreu: a sua mensagem, por mais universal que fosse, estava condicionada pela história do povo hebreu.  (ROHDEN, 1998; Pg. 22).
Nesse contexto, acredita-se que a ideia mística de espíritos e demônios possa vir a dar lugar ou ser condicionada a uma ideia que se apoie na ciência, os ALIENS serão parte do imaginário comum da atualidade, e todo aparecimento antigo de deuses espíritos e Demônios serão justificados por um antepassado extraterrestre o qual ajudou a humanidade desde o começo dos tempos.
Seguindo essa linha de argumentação, poderíamos prever que os adeptos atuais das crenças antigas passassem a compreender os “alienígenas” como duendes, deuses ou demônios. Na verdade, várias seitas contemporâneas – os “raelianos”, por exemplo - sustentam que os deuses ou Deus vieram à Terra em UFOS. Algumas vítimas de rapto descrevem os alienígenas, por mais repulsivos que sejam, como “anjos” ou “emissários de Deus”. E há os que ainda acham que se trata de demônios.  (SAGAN, 2006; Pg. 154).
Os fatos tendem a explanar ou conduzir para esse caminho: o qual, as crenças são produtos da vida social a que a reflete; como podemos ver no presente contexto, os deuses estão geralmente relacionados ao modo de vida das sociedades; o homem em geral, não tem como imaginar como ou qual seria a vontade de Deus, se não, segundo o que ele entende por verdade, pela sua cultura, pela sua política e as suas crenças. Contudo, a ciência dizendo que “Deus está morto”, não corre o risco dela mesma se tornar a nova religião do mundo? Não se sabe, apesar disso, ainda hoje, embora todo o avanço científico, o fenômeno religioso sobrevive e cresce, desafiando previsões que anteviam seu fim. A religião é uma coisa que está fortemente ligada à cultura das sociedades, nas quais estão inseridas, e “coincidentemente” sempre relacionadas a alguns mitos e símbolos. 
As tradições religiosas são com frequência tão ricas e variadas que oferecem uma ampla oportunidade de renovação e revisão, sobretudo, mais uma vez, quando os livros sagrados podem ser interpretados metafórica e alegoricamente tendendo a uma hermenêutica de acordo com a interpretação de cada religião, não se pode ter uma resposta consistente das coisas, da vida e da criação do mundo. Daí, pode-se justificar inquisições, escravidão, ascetismos dos fiéis e enriquecimento dos pastores neopentecostais etc.
E, na história da humanidade, não há registro em qualquer estudo por parte da História, Antropologia, Sociologia ou qualquer outra ciência social, de um agrupamento humano em qualquer época que não tenha professado algum tipo de crença religiosa. As religiões são, então, um fenômeno inerente à cultura humana, assim como as artes e técnicas. As religiões são então um fenômeno inerente a cultura humana, assim como as artes e técnicas.  [..] Grande parte de todos os movimentos humanos significativos tiveram a religião como impulsor, diversas guerras, geralmente as mais terríveis, tiveram legitimação religiosa, estruturas sociais foram definidas com base em religiões e grande parte do conhecimento científico, filosófico e artístico tiveram como vetores os grupos religiosos, que durante a maior parte da história da humanidade estiveram vinculados ao poder político e social. (MOREIRA, 2008; Pg. 249).
O homem em geral, não tem como imaginar como ou qual seria a vontade de um deus, se não, segundo o que ele entende por verdade, pela sua cultura, pela sua política e as suas crenças. Deuses foram criados para explicar fenômenos naturais e coisas que o homem não conseguia explicar. No Egito existiam deuses antropozoomorficos, metade animal, metade humana, e a cada um era determinado certo poder. Rá era o deus sol, a estrela da manhã que trazia calor e mantinha a vida no planeta.  O antropomorfismo dos gregos foi adotado também pelo cristianismo, os deuses teriam semelhança com a imagem humana, e estariam sujeitos aos mesmos desejos e paixões. Geralmente os deuses têm semelhança humana, os quais no cristianismo, candomblé, hinduísmo, budismo, islamismo etc. todos são sujeitos aos mesmos desejos e paixões que os homens. Os deuses podem sentir: íra, ciúmes, inveja, amor, compaixão etc. todos os sentimentos relacionados ao ser humano. Outro detalhe é que o Deus europeu é branco, e não negro nem indígena, ou seja, cada sociedade vai criar um Deus a sua imagem e semelhança. Como disse Xenofanes: se um cavalo pudesse pintar como seria o seu Deus, o pintaria em forma de cavalo e Nietzsche: o Deus é a imagem e semelhança do homem, contradizendo a bíblia, a qual diz que Deus criou o homem a sua imagem e semelhança.
Xenofanes escreveu em versos sua oposição às ideias de Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Chegaram até nós diversos de seus versos e de suas idéias filosóficas. Delas podemos destacar seu combate ao antropomorfismo (atribuir aos deuses formas e sentimentos humanos) que ele expressa especialmente contra os poemas de Homero e Hesíodo. Ele dizia que se os animais tivessem o dom da pintura eles iriam pintar seus deuses com formas animais. "Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo aquilo que para os homens é objeto de vergonha e baixeza: roubar, praticar adultério e enganar-se...  os mortais consideram que os deuses nasceram, e que possuem roupas, vozes e corpos como os seus...  os Etíopes acreditam que seus deuses possuem narizes achatados e que são negros; e os Trácios que os seus deuses possuem olhos azuis e cabelo vermelho... mas se os bois, cavalos e leões tivessem mãos e soubessem desenhar... os cavalos desenhariam figuras de deuses semelhantes a cavalos, os bois semelhantes a bois." Ele queria com isso mostrar que o verdadeiro deus é único, absoluto e tem pouca semelhança com os homens, com seus pensamentos ou com as diversas representações feitas dele. (XENÓFANES, 570 - 475 a.C.).
Não cabe ao antropólogo a valoração de costumes e crenças das religiões, o certo é que a religião faz parte da cultura dos povos e como parte integrante da cultura sofre as variações dos diversos locais, como também influência nos seus costumes.

Conclusão

O dom do ensino não é uma coisa determinada nem predestinada por uma divindade, quem quiser ser professor deve levar em consideração que a sua tarefa exige preparo e dedicação, como qualquer outra profissão. Existem métodos e didáticas que podem ser aprendidos pelos professores que servem para qualificar e preparar ainda mais o docente para o ensino em sala de aula. O professor de antropologia também tem que ser um bom pesquisador e a sua busca por conhecimento deve ser uma coisa continua, todavia, o ensino é uma coisa paulatina, e a vantagem é a de que: quem ensina também aprende, sem falar que a questão do ensino da religião tem se tornado cada vez mais uma coisa fundamental para se diminuir a intolerância e o fundamentalismo religioso. Como dito antes, o professor também aprende ensinando, o saber docente só, não é suficiente para o desenvolvimento da sua profissão, a questão da gestão e do ensino envolve a necessidade de se obter um conhecimento interdisciplinar e uma experiência de sala de aula, que é adquirida com o tempo.
O professor, devido a sua experiência de vivencia de sala de aula e métodos já utilizados antes, deve ter utilizados métodos que deram certo e outros errados e a sua experiência adquirida durante o tempo de vivencia proporcionará uma melhor decisão ou escolha de métodos de acordo com o andamento da aula no presente e futuro. Explorando a sua capacidade didática, o professor de antropologia tem o papel de se tornar o principal meio pelo qual a religião pode ser apresentada sem o predominante viés religioso de forma que os consequentes efeitos de separação, preconceitos, embates religiosos e o principal, a intolerância possam tender a ter um fim. Podemos entender sobre os conceitos básicos da interferência da religião no mecanismo da ação humana durante o princípio primitivo da humanidade até um contexto atual e cientifico.
É importante que o aluno entenda determinados conceitos para perceber que a religião necessita de um esforço de relativização e alteridade para que se possa haver um melhor entendimento do contexto religioso das ações e manifestações do sagrado em torno do mundo e ao seu redor.

REFERENCIAS


ANASTASIOU, L. d., & ALVES, L. P. (2015). Processo de ensinagem na universidade: pressupostos para as estrategias de trabalho em aula. Joinville, SC: Editora Univille.

DARWIN, C. (2008). A origem das Espécies. (A. C. MESQUITA, Trad.) São Paulo: Editora Escala.

ELIADE, M. (2008). Tratado de História das Religiões. (N. N. FERNANDOTOMAZ, Trad.) São Pailo: Martins Fontes.

KEESING, R. M. (2014). Antropologia Cultural: uma perspectiva contemporânea. Petropolis: VOZES.

MOREIRA, A. (03 de Janeiro de 2008). A religião como Fenomeno Propulsor da Ecocultura. São Leopoldo, RS, Brasil. Fonte: http://www.anais.est.edu.br/index.php/congresso/article/viewFile/5/20.

ROHDEN, C. S. (1998). A Camuflagem do Sagrado e o mundo moderno à luz do pensamento de Mircea Eliade. Porto ALegre: EDIPUCRS.

SAGAN, C. (2006). O mundo assombrado pelos demonios: A ciencia vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras.

XENÓFANES (570 - 475 a.C.). em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2020. Consultado em 03/01/2020 às 16:32. Disponível na Internet em http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=14.




[1] Alexsandro Alves de Araújo: Formado em Ciências Sociais (Licenciatura) pela universidade Federal de Pernambuco - UFPE; Tecnólogo em Processos Gerenciais pela Universidade Brasileira – UNIBRA; Técnico em Logística pela Escola Técnica Estadual Maximiano Accioly Campos – ETEMAC. RECIFE – PE. 2020.
2- Para um maior aprofundamento acerca do modelo jesuítico de ensino e sua influência atual, da Ratio Studiorum e dos passos previstos na ação docente e discente vide ANASTASIOU, L. G. C. in Metodologia do Ensino Superior: da prática docente a uma possível teoria pedagógica, Editora IBPEX, Curitiba, 1998. 

3- [...] O processo de apreensão, de conhecer, tem a ver com o enredar, estabelecendo os nós necessários entre os fios a serem tecidos... Para dar conta desse "enredamento", há que se superar as dificuldades superando a simples memorização.  (ANASTASIOU & ALVES, 2015. Pg, 05)


segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Por quê estamos sempre vigiando a atitude do outro?

       
Tendo como fundamentação teórica a teoria do funcionalismo Durkheimiano, acredita-se que a sociedade funciona como um corpo, um organismo, e que  o bom funcionamento de todo corpo dependerá da integração e coesão de suas partes. Assim como órgãos de um corpo, acredita-se que a sociedade é composta por partes integrantes que se complementam, e essas partes funcionam como organismos independentes e interdependentes e, como todo organismo tem o seu sistema de defesa natural, poder-se-ia dizer que a sociedade, sendo um organismo, também tem a capacidade de criar os seus próprios anticorpos.
Anticorpos são glicoproteínas, também chamadas de imunoglobulinas, que possuem como principal função garantir a defesa do organismo. Essas glicoproteínas de defesa atuam de diferentes formas para evitar que uma partícula invasora cause danos à saúde. (SANTOS, 2020).
            Qualquer conduta desviante à coerção impostas pelos fatos sociais pode ser corrigida pelos atores sociais como forma de se manter o bom funcionamento do corpo social. O que é um fato social?
Trata-se de máximas puramente morais? A consciência pública contém todo ato que a ofende por meio da vigilância que ela exerce sobre a conduta dos cidadãos e as penas especiais das quais dispõe. Em outros casos, a repreensão é menos violenta; [porém], ela não deixa de existir. Se eu não me submeto às convenções do mundo, se, ao me vestir, eu não dou a mínima atenção aos costumes de meu país ou de minha classe, o riso que provoco, a alienação a que me  submetem, produzem, mesmo que de maneira atenuada, os mesmos efeitos de uma pena propriamente dita. (DURKHEIM, 2012, p. 32).
Precisamos entender como as características de vigilância e punição analisadas pelo sociólogo e filósofo Michel Foucault se complementam com o pensamento Durkheimiano. Foucault é um sociólogo francês que desenvolveu analises importantes sobre a sexualidade, o surgimento das prisões e dos manicômios, e sobre as características que o poder exerce na sociedade e a sua ação sobre os corpos. Para  Foucault (2012), o principal alvo  de ação do poder é o corpo.
Em relação a vigilância e punição, podemos partir do conceito do panopticismo. O panoptico.
Foucault aponta que “Nos anos de 1830, o Panoptico se tornou o programa arquitetônico da maioria dos projetos de prisão”. (1979:249) e que outras instituições além da prisão adotaram suas disposições arquitetônicas para uma ampla variedade de propósitos. Como exemplo desta adoção, Foucault detalha todas as características panópticas da arquitetura do manicômio no início do século XIX, demostrando  que a arquitetura  panóptica do edifício manicomial foi interpretada como a própria cura para a loucura (2006ª: 102-107). Esta aquisição transinstitucional das disposições arquitetônicas do panoptico intensificou a disseminação do poder disciplinar. (HOFFMAN, 2018, p. 51).
Henry Louis Mencken ironiza a respeito do bom senso e da consciência das pessoas, ele diz: “A consciência é uma voz interna que avisa quando alguém está me olhando”, e esse é sempre um conceito atual, pois, nos mostra que o conceito do “panopticismo/vigilância” ainda está constante nas instituições, sejam, públicas, privadas ou o olhar do outro sobre nós, pois molda o comportamento dos nossos corpos. Segundo esse ditado quando não estamos nos sentindo observados cometemos algumas infrações como, ultrapassar um sinal vermelho, jogar lixo no chão, fazemos coisas entre quatro paredes, e dizemos o que não diríamos, ou faríamos em público. Só que de acordo com uma das teorias Bourdieusiana, o habitus, mesmo quando não estamos diante de alguém continuamos com certos comportamentos, por que, naturalmente, internalizamos as características da normatividade. Na visão de Foucault, docilizamos o nosso comportamento colocando o desvio sob pena de punição, que, no caso, não necessariamente vai ferir o corpo, mas também pode ser uma punição simbólica.
[...] entre as muitas lições do panopticismo está a de que o poder que parece focado em um indivíduo está de fato “distribuído” por toda a estrutura, de modo que cada indivíduo é simultaneamente “objeto” e “sujeito” desse poder: o prisioneiro é “vigiado”, mas está sendo treinado para vigiar a sim mesmo, para ser o seu próprio inspetor. (HOFFMAN, 2018, p. 80).
O modo como os meninos e as meninas devem sentar, andar, se expressar etc. são predeterminados por ocasião das instituições que disciplinam e tornam comuns determinados tipos de caráter, tipificação ou conduta institucionalizada. Entenda-se aqui instituição por, família, escola, igreja, policia etc.
A normatividade[1] pode ter um caráter fim ou ser o meio para se executar uma determinada ação. “Uma norma é uma descrição verbal do curso concreto da ação assim considerada desejável, combinada com uma injunção para fazer com que certas ações futuras estejam de acordo com esse curso”. (PARSONS, 2010, p. 113).
A sociedade é composta de normas e valores os quais necessariamente devem ser respeitadas, e essa normatividade constituem as leis e a ordem necessárias para que a sociedade se mantenha coesa, e também influenciam na cultura de cada uma delas.
Pois bem, de acordo com a teoria dos fatos sociais de Durkheim e a teoria de vigilância e punição de Michel Foucault, se os fatos sociais são considerados predeterminantes da ação dos atores sociais a vigilância constante dos indivíduos uns sobre os outros, como afirma Foucault, podem ser considerado o que coage os atores a não transgredir as normas, como uma espécie de anticorpos do grande e extenso corpo social que atuam para manter a estabilidade social.
A fim de evitar que o desvio se dilua num oceano de diferenças, deve-se atentar para a norma: o desvio é falta de obediência social. Mesmo arriscando a confusão de uma categoria da não conformidade com outra, um desvio é punível, enquanto que, uma simples diferença não o é (ela pode consistir em um meio de distinção social, frequentemente é causa de exclusão a um status social menos valorizado). (ROBERT, 2011, p. 47).
Podemos observar a questão da conservação da normatividade em escalas, micro ou macro social. Pois, a conservação e a vigilância das normas não acontecem somente nos grupos de grande escala, podemos imaginar um grupo pequeno, de três pessoas, que tem preferência por algum tipo de  estilo musical, o rock, por exemplo. Pode ser definido uma saudação comum, um tipo de gesto para que os integrantes se identifiquem, uma cor que os defina, um estilo de roupa etc. e essa tipificação institucionalizada pelo grupo vai ser passível de vigilância por todos os integrantes do grupo, qualquer desvio é passível de punição para que as partes do grupo se mantenham coesas. É sempre feita uma manutenção como forma de vigilância e punição apara corrigir os infratores, nas quais, posteriormente podem vir as sanções. Existem dois processos de aprendizado e de consolidação da experiencia que reforçam as tipificações, o processo de sedimentação e tradição. Como se fosse uma ritualização, que cria padrões a serem seguidos.
Sedimentação e tradição – Somente uma pequena parte das experiencias humanas são retidas na consciência. As experiencias que ficam assim retidas são sedimentadas, isto é, consolidam-se na lembrança como entidades reconhecíveis e capazes de serem lembradas. (BERGER ,Peter L.. 2014, p. 92).
          Esse processo de sedimentação facilita a leitura dos acontecimentos na sociedade. Dessa forma eu posso pressupor que um policial está cumprindo o seu papel ao abordar um infrator de alguma norma social, inclusive, a leitura que será feita será a de que a policia está cumprindo o seu papel, “abordando um marginal”. As pessoas que não andam no mesmo sentido das normas sociais são colocadas à margem da sociedade. O processo de sedimentação e tradição facilitará a leitura dos acontecimentos e das tipificações e dar um nome ao que está acontecendo.
Papeis – Isto implica entre indivíduos, que o primeiro tem em comum com os outros finalidades especificas e fases entrelaçadas de desempenho e, ainda mais, que são tipificadas não apenas ações especificas, mas também, formas de ação. (BERGER ,Peter L.. 2014, p. 97).
Todos os indivíduos exercem vários tipos de papeis durante a vida, existe o papel principal, que vai ser predominante e os papeis secundários. O indivíduo pode ser: pai e ao mesmo tempo filho, pode ser professor e aluno em outra instituição, pode ser um policial ou um religioso de renome, e em cada caso ele vai ter que atuar de acordo com o papel que estiver exercendo no momento. Para que a sua atuação seja legitimada pelo reconhecimento do outro, segundo Goffman[2], ele tem que ser convincente e se esforçar para que o outro acredite na sua interpretação. Outra forma de delimitar o comportamento das pessoas é o determinando o comportamento baseando nas tradições é na religião. Presume-se que um grande percentual  de pessoas, em todo o mundo, professam algum tipo de religião e, em algum momento, antes da criação das leis a normatividade foi predeterminada pela religião, e se considerarmos a religião cristã, pode ter nascido aqui o primeiro e mais eficiente sistema de vigilância e punição, pois, dada a onisciência, onipotência e a onipresença da divindade, não tem como cometer um crime e se esconder, ou omitir a intenção pois Jeová saberá da intenção bem antes que se cometa o delito e mesmo que se cometa e o indivíduo consiga fugir, ninguém consegue se esconder de Deus. Aqui não tem a necessidade de câmeras ou panoptico para inibir a infração pois isso já está do lado de dentro de nossas “cabeças”. Como “o prisioneiro que é “vigiado”, mas está sendo treinado para vigiar a sim mesmo, para ser o seu próprio inspetor”.
Grande parte da população mundial apresenta-se filiada a algum tipo de religião. Michel Malherbe, em seu livro les religions de I’humanite, fornece-nos preciosos índices da distribuição de correntes religiosas no mundo. Ele apresenta, à página 44, a seguinte distribuição populacional: ateus, 29%, cristãos, 28%, islamitas, 18%, hindus, 15%, budistas, 05%, seguidores de outra religião, 05%. Podemos concluir que mais de 70% da população mundial segue algum tipo de religião. Os 29% rotulados ateus não foram estudados e pesquisados por esse autor com a finalidade de verificar onde são investidos os mecanismos e as funções encontrados na religião, tais como: a omnipotência, o sagrado, e o profano, o divino, os rituais etc. (AMARO, 2003, p. 69).
      A religião é uma coisa que está fortemente ligada à cultura das sociedades, nas quais estão inseridas, e “coincidentemente” sempre relacionadas a alguns mitos e símbolos. 
E, na história da humanidade, não há registro em qualquer estudo por parte da História, Antropologia, Sociologia ou qualquer outra ciência social, de um agrupamento humano em qualquer época que não tenha professado algum tipo de crença religiosa. As religiões são, então, um fenômeno inerente à cultura humana, assim como as artes e técnicas. (MOREIRA, 2008; Pg. 249).
Teoricamente, baseado na grande quantidade de grupos nos quais vivemos e estamos imersos, entende-se que também estamos sempre atuando como vigilantes uns dos outros reprovando ou confirmando a atitude do outro. “Menino veste azul, menina veste rosa...”, “homem não casa com homem nem mulher com mulher...”, “roqueiro tem que odiar pagode...”, “evangélico não pode ler livros seculares...”, “gays não podem demonstrar afeto em público”... etc.
       Um teórico importante e pertinente é Antony Giddens teórico da teoria da estruturação. As instituições e as normas são estruturadoras das ações dos indivíduos e os mesmos, ao agirem de acordo com as normas estão estruturando a estrutura. Reforçando as normas as quais estão se sujeitos. 
Nessa perspectiva a anomia poderia ser uma doença social?


BIBLIOGRAFIA


AMARO, J. W. (2003). Temas essenciais. São Paulo: Lemos Editorial.

PETER L. BERGER, T. L. (2014). A Construção Social da Realidade. Rio de Janeiro: Vozes.
DURKHEIM, É. (2012). As regras do metodo sociologico (1ª ed.). (W. Solon, Trad.) São Paulo - SP: EDIPRO.

FOUCAULT, M. (2012). Vigiar e Punir. Petropolis - RJ: VOZES.

GOFFMAN, E. (1985). A representação do eu na vida cotidiana. (M. C. Raposo, Trad.) Petrópolis: VOZES.

GUERREIRO, E. (03 de Janeiro de 2008). A IDEIA DE MORTE – do medo à libertação. Algarve, Portugal. Acesso em 2020, disponível em http://www.scielo.mec.pt/pdf/dia/v28n2/v28n2a12.pdf.

HOFFMAN, M. (2018). Michel Foucault: Conceitos Fundamentais. (D. TAYLOR, Ed., & F. Creder, Trad,) Petropolis: Vozes.
MERTON, R. K. (1970). Sociologia: Teoria e estrutura. Belo Horizonte: MESTRE JOU.
MOREIRA, A. (03 de Janeiro de 2008). A religião como Fenomeno Propulsor da Ecocultura. São Leopoldo, RS, Brasil. Fonte: http://www.anais.est.edu.br/index.php/congresso/article/viewFile/5/20.

ROBERT, P. (2011). Sociologia do crime. Petropolis - RJ: VOZES.

SANTOS, Vanessa Sardinha Dos. "O que é anticorpo?"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/biologia/o-que-e-anticorpo.htm. Acesso em 10 de janeiro de 2020.








[1] Teoria do desvio; MERTON, R. K. (1970), Merton faz uma abordagem sobre a tensão entre a normatividade e a cultura. Para ele, culturalmente as pessoas buscam o sucesso financeiro como forma de ser bem sucedido na sociedade só que essa necessidade do sucesso esbarra nas normas e na legalidade. Se o indivíduo não respeitar as leis e tentar ficar rico cometendo atos ilegais, como vender drogas, tráfico de armas etc. vai ser punido pelo sistema penal de tal sociedade. A cultura vai esbarrar na normatividade, contudo, há alguns casos de indivíduos que não se incomodam da origem da riqueza de determinadas pessoas e dão mais valor a cultura desconsiderando o valor da normatividade. Não se sentirá constrangido em posar ao lado de algum criminoso em uma foto, por exemplo. Com a exceção desses casos, A cultura tem fortemente influencia no comportamento das pessoas. O fato de não se preocupar com as normas da sociedade é caracterizado como “anomia”, ausência de normas.
[2] (GOFFMAN, 1985), (A representação do eu na vida cotidiana).

  A EXPERIÊNCIA DE HAWTHORNE            Primordialmente, a intenção de Elton Mayo [1] era a de achar alguma relação entre a produtividade...